O sagrado e o profano - coisas de marias

sagrado
Minha idéia inicial era falar sobre espiritualidade. Entretanto quando sentei para escrever, só conseguia lembrar de uma pequena cidade onde morei, com uma população muito religiosa e o sofrimento de alguns amigos que enfrentavam sérios problemas dentro de casa quando decidiam abandonar a religião em que foram criados.

Foi assim em meio a essas lembranças que decidi  contar uma história que testemunhei. Embora seja um episódio que tenha dado origem a acontecimentos dramáticos na vida de uma pessoa, hoje olhando para trás posso vislumbrar o lado cómico do mesmo. É realmente difícil entender pessoas ligadas em alguma religião que têm a bíblia sempre à mão, rezam às refeições, fazem discursos carregados de chavões e nomes bíblicos quando tem uma penca de família como auditório. Depois dão-se as mãos e ficam numa reza entediante e oca. Quem ali cai desavisado  só pode sentir-se como um terráqueo em algum planeta pra lá de Marte.

Não nos deixeis cair em tentação.
Nesta história a doideira não parou nas rezas. Sentou depois todo o mundo para comer e foi um tal de querer saber deste e daquele, um diz que me diz que não acabava, um levanta daqui e d'acolá, um troca troca de lugar para melhor contar as fofocas familiares e da vizinhança. Aí a visitante ficou meio perdida. Pensou “aquilo era reza ou brincadeira?” Aliás coitada dela! Sobraram uns chega pra lá e foi até dada como leprosa. Tudo, assim ela entendeu, dependia de cair nas boas graças… Pior! Da avaliação de uma matrona mandona. A talzinha, ou talzona, sejamos fiéis ao tamanho, torceu o nariz e deu a sentença “não é das nossas”.

Claro que a convidada só foi saber que não era bem vinda por terceiros, no caso o boa praça, que só tem religião ali em meio à família. Longe, ele jura de pés juntos que não tem nada a ver com “aquilo”, nem acredita. Só participa por puro respeito. Está certo. Até porque longe dali o ar deve ser mais leve e a liberdade uma benção (?). Que é isso, tou louca? Apre que o mal pega.

Seja feita a vossa vontade
Diga-se que a matrona, na verdade tratavam-se de duas, já que o poder era dividido entre a mãe e a filha preferida, prevalecendo a hierarquia do parentesco, mas retomando o assunto, a matrona mor só falava mal de quem estava presente em boca baixa e como era ela quem ditava as regras, todos lhe seguiam os jeitos, os humores e antipatias. Assim a convidada reprovada, passou o final de semana, sendo apedrejada com ironias, piadas, olhares matreiros e esgares venenosos. Tudo porque namorava o tal do boa praça, filho caçula da mandona.

Verdade seja dita, a matrona também não passou bem. Ficou de olho "naquela zinha", olhando os modos afrescalhados, bicando a comida como se não agradasse; o olho azul parado no prato, mal virando para o lado, um frango assustado. "Galinha!"  Ah, mas ela bem enxergava. Conhecia o tipinho.

Pinta de riquinha cheia de capricho, ela já via tudo, aquela, aquela... mandando e desmandando nas coisas do filho. Seu filho! Uma benção! Menino "bão" aquele! Cuidava dos pais como nenhum outro, pagava todas as contas sem nem perguntar "porquê". Uma vida de tranquilidade! E agora… o estômago revirou… e agora… Ah mas como ela rezou. Rezou que se ele casasse um dia que fosse com alguém conhecido, uma mulher da congregação, boa cristã, pura e honesta, uma digna herdeira de Maria. Ai os caminhos do Senhor. Ali estava uma ameaça que não era esperada, uma “sirigaita” da cidade que nada tinha que prestasse. Umas vestimentas desavergonhadas, uma cara de falso anjo, um olho azul deslavado, mãos de quem não trabalha. "Peçonhenta!"

Livrai-nos do mal
Já para os homens as portas se escancaravam. Nada demais. Tem a ver com a cultura de marias, ou falsas amélias, no caso as moçoilas casadoiras e suas mães alcoviteiras daquela sagrada família e de outras que se intitulam de escolhidas. Para elas homem não tem vontade, veste o que a mulher quer e come o que lhe põem na frente, basta deixá-los posar de macho. Já com uma “assanhada”, cheia de maus vícios, querendo os luxos da cidade grande, a coisa era diferente. "O diabo!"
Ai meu Deus! Pai nosso que estais no céu ...
Aaaaamééeeeeeem!

A legitimidade da fé

Comentários

  1. Não procuro entender, porque cada cabeça é uma sentença. Assim como não gostaria que se intrometessem no meu modo de ser, respeito a posição de quem, mesmo fanáticamente manifesta a sua fé.

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  2. Fé ou hipocrisia? Pessoas coerentes com o que defendem, não só religiosos como políticos ou qualquer pessoa ou grupo que propague qualquer ideologia, mesmo que "fanaticamente", sem dúvida, merece respeito. Infelizmente, a história da humanidade está cheia de episódios infelizes, envolvendo pessoas hipócritas que carregam a bíblia debaixo do braço, se benzem a torto e a direito, fazem discursos, invocando Deus e Jesus, e discriminam quem pensa e age diferente. Aliás, em nome de Deus, não só se discrimina, como se ofende, esfola e mata.

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