O poder do mito - falsos mitos, falsos deuses

A verdade é uma só; os sábios se referem a ela por muitos nomes.” Joseph Campbell, O herói de Mil Faces
Mitos e lendas à parte, o gosto pelo poder é perpetuado há gerações, desbravou culturas e definiu paradigmas. Deus e o diabo, céu e inferno, marias e madalenas, santas e depravadas, madonas endeusadas, amélias e mártires, maomets transviados, realezas de sangue azul e inúmeros deuses, seja do olimpo, ou de Hollywood, a lista não pára de crescer. São hoje intitulados de celebridades.

A vida da celebridade, exposta em minúcias, é mascarada de glamour na mídia, tornando-se o ideal de vida também dos fãs, que a copiam no que podem, já que pelas revistas ficam sabendo até a marca do perfume que seu
ídolo usa. Por trás da celebridade, no entanto, existem interesses de toda espécie, em função do prestígio ligado à figura pública. A fofoca, por exemplo, ganhou status de notícia, fala-se tanto de políticos como de atores. Além do perfume, a casa, vícios, amores e amantes, são mais importantes que os feitos e a veracidade da informação. Um prato cheio para toda a espécie de mente. Loucuras impensáveis de fãs ensandecidos, onde não faltam histórias de assassinatos são o pesadelo de todo o artista. A cantora Vanessa Camargo expressou esse receio, no início da carreira “...você já não sabe o que as pessoas querem quando se aproximam de você. Isso me deixa muito aflita...”.

Triste, nesta história de falsos mitos, ídolos e celebridades é quando o próprio se alimenta desse endeusamento. Vive em função dos rótulos criados em torno da sua imagem -, a mais bela, o mais sexy, etc. O tempo vai passando e os velhos ídolos são empurrados do pedestal. Muitos viram figuras patéticas, indivíduos sem estabilidade emocional para aceitar a efemeridade da fama, quanto mais da vida, pior, lutam por uma identidade perdida ou que nunca adquiriram por terem vivido, a vida inteira, representando o personagem que escolheram — o falso mito.

Infelizmente o buraco é mais fundo. Somos bombardiados diariamente com histórias de tragédias provocadas pelo famigerado poder. Profissionais seduzidos pelo prestígio histórico e mitológico do cargo, agindo sob um fundamentalismo doentio. Homens que se consideram especiais, donos da verdade e do destino de outros homens — os falsos deuses. Juízes, médicos, jornalistas, clérigos, homens de negócios, políticos agindo como o mais infame dos bandidos. É como uma epidemia dizimando a criação. Mães usam seus filhos como mera propriedade, objeto de torturas, saco de pancadas, terapia de frustrações e até infanticídio. A criança sem voz, sofre silenciosamente, já que seus nomeados protetores associam sua algoz a uma tal de maria que foi chamada de santa, botando para escanteio medusas famosas, figurinhas constantes das manchetes populares.

Mais do que o saber, os falsos mitos geraram poder em mãos vis, perpetuaram a ignorância e o medo no mundo, ativaram ganâncias infinitas, e seguem chafurdando no lodo da alma humana. O mito gerou também o gosto pela pompa, rituais sagrados e políticos, pantomimas com o cheiro característico da intrujice, bobos de cortes cenográficas que nada devem às milionárias encenações hollywoodianas. Palmas para o artista que retrata a basófia do endeusamento e mostra a face estúpida de tais deuses, que a si mesmos se enganam e caem na armadilha do orgulho, da arrogância, da vaidade e prepotência. A figura do rei sol é praga e abominação.

A filosofia se refere a mito como uma narrativa tradicional de conteúdo religioso, que procura explicar os principais acontecimentos da vida por meio do sobrenatural. Freud, que não se impressionava com crendices, disse serem os mitos expressão simbólica dos sentimentos e atitudes inconscientes de um povo, de forma perfeitamente análoga ao que são os sonhos na vida do indivíduo. Jung foi mais além. Para ele, os mitos, além de manifestações dos arquétipos ou modelos surgidos do inconsciente coletivo da humanidade, constituem ainda a base da psique humana. O inconsciente coletivo permite compreender a universalidade dos símbolos e dos mitos, pois estes se revelam em todas as culturas e em todas as épocas de forma idêntica.

Em todas as civilizações, reafirmava Jung, os mitos reproduzem o que os seres humanos têm em comum. A mitologia era para o renomado psicólogo, a fonte onde podemos encontrar alívio para nossas inquietudes, achar as respostas que todos buscamos: o significado da vida e da morte, compreender o misterioso, descobrir o que somos. Campbell, que dedicou a vida a estudar a influência do mito nas diferentes culturas, dizia que precisamos que nossas experiências de vida tenham ressonância no interior de nosso ser para sentirmos verdadeiramente o encanto de estarmos vivos, descobrir o que somos.

No crepúsculo dos deuses a fragilidade humana subjugou-se ao poder e a sociedade resvalou para um mundo de valores decaídos, escravizada pelos rótulos, sem deuses para guiá-los por trilhas onde o bem e o mal se espreitam e se temem. Assim a humanidade usou seu arbítrio e escolheu seguir escrava dos desejos do corpo, e da dor da alma, duelar com o próprio ego, apontar culpas no outro e afogar a consciência em ave marias.

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