A vida só é complicada para quem se perde dela

"Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe." (Oscar Wilde)


Todos temos sonhos, que começam na tenra infância. Com o tempo alguns vão se tornando objetivos, já que tentamos, na medida do possível, construir uma vida com base no que acreditamos que nos fará felizes. Entretanto, há pessoas que empacam em algum ponto no caminho e tiram o time de campo. 

Mortos para a vida que sonharam, estes indivíduos seguem ao sabor dos ventos. Pessoas que um dia foram promessas. Uma criança risonha e criativa, um adolescente com altos sonhos, adultos inteligentes, bem educados, orgulhosos de seu conhecimento, produtivos. Com potencial para serem bem sucedidos, mas que resvalaram por uma ladeira interminável de descrença no mundo e em si mesmos, até virarem farrapos humanos. Seres desconstruídos. Pessoas a quem faltou coragem em algum momento e fecharam as portas para a oportunidade de crescerem como indivíduos na descoberta de seu lugar no mundo. Como se não bastasse, muitas destas pessoas não escutam ninguém, nunca escutaram. Orgulhosas de seu saber, se acreditaram mais capacitadas que a maioria dos mortais. E, como se a vida lhes quisesse dar uma lição, elas tornam-se o pior dos pesadelos no seio de uma família, uma eterna preocupação, o filho, o sobrinho, o marido, o irmão... problema. 

Sabe aquela amiga, talvez até uma parente, que sempre acaba nos braços do mesmo tipo de homem? Um monte de gente avisa, faz piadinha, fofoca, alerta, e ai de quem fale abertamente, se for mulher vai logo escutar "invejosa". Em pouco tempo o desfecho costumeiro: um mar de lágrimas. Quando não, uma gravidez, mais uma. E quem não conhece o cara inteligente que vive mudando de emprego porque 'não tem sorte com os chefes'? A teimosia e o orgulho os leva a uma cabeçada atrás da outra, um acúmulo de más experiências, de onde o indivíduo não tira qualquer proveito. 

Na maioria das vezes, estas pessoas não possuem estabilidade emocional, querem que o mundo inteiro se molde à sua vontade, aos seus critérios, nada fazendo nem por elas, nem pelos outros. Ao contrário. Fecham-se num mutismo ranzinza, como se todo o mundo lhes devesse, e para com elas tivesse obrigações. Desprovidos da calosidade emocional das lutas na vida, não têm qualquer preparo para os percalços, as contrariedades ou a docilidade e empatia.  Seu comportamento segue os padrões mentais e clássicos da adolescência, um retardo que os acompanha pela vida, com a mesma teatralidade, egoísmo e manha infantil para conseguir dos outros o que convém. E todo acontecimento é adaptado a um storytelling conveniente a velhos scripts de natureza dramática. Tem o tipo vítima, que abandonado pelo cônjuge, muda-se para a casa da mãe e ali se espalha como se tudo lhe pertencesse, ambiente perfeito para controlar e permanecer no passado e comportar-se como uma criança mimada tirânica, a quem todo o mundo teme contrariar. Tem o hipocondríaco, que toma mil remédios, e sofre de mil males, tornando-se expert em farmacologia e doenças. Tem um outro tipinho mais incrementado, de modesta estirpe, o malandro cheio de negociatas imaginárias, com o costume irritante de dar tapinhas nas costas dos outros, pior quando dá uma de religioso. Muito parlapié, muitos gestos, muito conto, onde ele é sempre o herói e no final do papo furado pede 'uma graninha' emprestada. Emprestado-dado, bem visto. Tem também a mal amada. Separada do marido em meio a muito drama, engordou, o cabelo ficou branco, mas ela segue falando do ex com a mesma raiva de há 15 anos. Tem ainda a história do jovem que não sobreviveu ao bullying na escola e dez anos depois está ainda empacado na vida, revivendo todo o dia o pânico de velhas recordações. 

Os exemplos são infindáveis e todo o mundo tem uma história pra contar. Tipos comuns, que vivem enclausurados numa cápsula do tempo, num casulo egótico, rodeados por pilhas e pilhas de velhos jornais e revistas, que guardaram para 'ler um dia', ou que criam para si mesmas um mundo de ficção e assim se relacionam com o resto da humanidade. O cabelo branqueia, os filhos viram adultos, evaporam no mundo, no ritmo da vida, e eles  continuam dançando ao som de um velho LP riscado. E se para estes indivíduos a vida parece ter congelado, para os familiares e velhos amigos permanece a incredulidade, o desgosto, a angústia, a culpa dos inocentes: será que poderia ter feito algo mais? O que aconteceu com aquele que foi um dia um rapaz inteligente e bem apessoado, aquela menina apelidada de linda, de grandes olhos vivos, orgulhosa de sua coleção de troféus? 

Estas pessoas, ou melhor, estas promessas de gente, foram interrompidas por um emocional impúbere. Falharam como gestoras da própria vida, caíram nas armadilhas da emoção, e permitiram que o medo as cerceasse, levando-as a criar um mundo paralelo onde se sentem seguros, não permitindo nenhuma interferência externa. Sentiram-se traídas pela vida que abraçaram inicialmente com entusiasmo, trancando-se num mundo onde acabaram se sentindo assustadoramente confortáveis. Para elas o bicho papão espreita, a vida é cheia de perigos, de gente má, invejosa, que lhes deseja o mal. E assim como os outros  perguntam o que aconteceu com essas pessoas, elas também seguem  se perguntando dramaticamente porque o bicho papão as escolheu, porque o azar grudou nelas, e por aí vai. 

O resto do mundo tornou-se culpado da sua desgraça. Sua mente é incapaz de ver além, dentro de si mesmas, para entender minimamente o outro. Ao ponto a que chegaram, alguns destes indivíduos precisarão, o resto da vida, da ajuda material dos familiares, mas seguem dispensando a opinião alheia e a ajuda profissional. Eles não se vêem como doentes, mas sim como gênios incompreendidos. Encurralados, não procuraram uma saída, não fugiram, apenas enfiaram a cabeça no buraco esperando que os problemas passassem, sem nunca tomar consciência de que eles mesmos se tornaram o problema. 

Todos passamos por situações difíceis, por estresse e ansiedade social, porque estamos afinal no mesmo barco. Os percalços, descaminhos, as tentações é uma sina por todos partilhada, mas são as experiências boas e más que nos ajudam a construir a nossa individualidade, a nossa humanidade. Os fracassos assumidos e enfrentados nos tornam resilientes e as vitórias reafirmam a continuidade da vida, e de que tudo é efêmero, até mesmo a própria vida. Os bons e maus momentos passam e, tal como o golfinho treinado no aquário ao som do apito e do agrado, nossa mente grava e aprende, fortalecendo-se e se preparando para intempéries futuras. Mas quando o indivíduo empaca e roda em círculos até se afundar numa síndrome do avestruz, o trem descarrila, arrastando não só a ele, como a família inteira, não pela toca do coelho, mas por uma caverna de dragões. 

Infelizmente estas pessoas, enredam-se em amarras que se tornam cada vez mais intrincadas, criam um medo fictício do mundo, e além da fobia social que iniciou o processo, surgem outras mil. E, num dia distante, a família se apercebe que está com um deficiente mental sem diagnóstico.



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