Na fronteira das unanimidades

Há pessoas, boas pessoas, dignas, honestas, trabalhadoras, pessoas que prezam a amizade, os laços familiares do seu jeito. Não precisam andar sempre aos beijos e abraços, no grude, nem publicar, ou pendurar a foto pra propagar seus atos. Não falam a toda a hora e para todo bicho careta querida, bem, amorzinho, mas estão sempre ali quando precisamos, movendo céus e terra para ajudar, qualquer pessoa, qualquer ser vivo. 

Elas simplesmente amam, incondicionalmente. No entanto, sabem quando é hora de tirarem o time de campo, a hora do basta. Sofrem sim, em silêncio, discretas, sem grandes alardes, a portas fechadas à margem de dramalhões, sem perturbar a paz alheia. Claro, ninguém é de ferro, assim se mãos atenciosas e sensíveis as puxam para um ombro amigo, elas se entregam, aproveitam para lavar a alma. São momentos genuínos de troca, entrega e confiança. De coração para coração, como diz certa amiga.

Também não engolem sapos, não levam desaforo para casa, não estão dispostas a calar, a se oferecer como tapete, que desrespeitem seus valores e crenças; não calam injúrias, ou ofensas à sua inteligência. Pessoas enfim que abominam insultos, não morrem engasgadas, nem se intimidam com a rudeza alheia. Gostam das coisas às claras, não têm paciência para subterfúgios, enrolações e nunca, nunquinha varrem o lixo para debaixo do tapete. 

São pessoas coerentes, que não se rendem ao cinismo e à hipocrisia, para ganharem simpatias, falam o que têm que falar na hora e momento em que tudo acontece, simplesmente porque prezam princípios próprios. Estas pessoas não só passam longe da falsidade, como a desprezam. 

Ironicamente, pessoas tão verdadeiras, que vivem às margens da unanimidade, são muito frágeis, desarmadas, expostas à maledicência, servindo de escudo aos covardes, aos intriguistas, falsos de muitas caras, calculistas, manipuladores de mão cheia. Tudo porque a unanimidade embrutece na hora de reconhecer valores verdadeiros e profundos. É unânime na concordância do óbvio, o que está gritantemente exposto. Oh sim, a unanimidade não só é realmente burra, como superficial, fútil, doente. Segue estupidamente o idiota vestido de etiquetas, que papagueia frases decoradas, palavras ocas, ditas para agradar a plateia e enriquecer o ibope, e ou o bolso.

É nesse meinho que se cria e alimenta o reverso. 
Indivíduos que fogem de serem confrontados, não querem escutar que têm defeitos, escondem muito bem seus demônios. Só se dão bem com quem lhes alimenta o ego, agindo ao sabor da sua popularidade, da fama que criaram, muitas vezes à custa de denegrirem a imagem de terceiros. Gente que tem o dom de se fazer de simpática, carinhosa, competente, boazinha na hora certa, mas que sai pela porta dos fundos, escondido, quando se precisa de braços que arregacem as mangas. Como se não bastasse, encarnam, com tanta perfeição, o papel de vítima, que não tem quem não queira enxugar-lhes as lágrimas. E ai de quem eles apontarem como culpado. 

Gostam e alimentam a bajulação e a fama em torno delas: “Fulano é tão bonzinho” “Coitado de fulano, olha o que a nega fez com ele...” O problema é que o “fulano” se acostuma tanto a isto, e gosta, que perde a noção de gravidade, de urgência, do certo e errado, tornando-se um egoísta patológico, com um ego tão grande que perde a capacidade de enxergar os outros. É o genuíno santo do pau oco. 

Tudo nele é esdrúxulo. Uma simples dor de cabeça, por exemplo, vira um parto complicado, fazendo todos em volta excederem-se em cuidados. Pararem o que estão fazendo para ficarem à sua disposição, paparicando. Chazinho, sopinha, mãozinha na testa, travesseiro fofo, andar em bicos de pés... nada é suficiente para tal ego. Ou seja, se algo vai mal para o figura, o mundo tem que parar. São realmente uns tipinhos bons de bico. 

Agora perguntem se fulano se interessa pela dor dos outros. Sequer enxerga! Fica impaciente se não lhe dão a atenção costumeira. Irritado com a falta dos paparicos, logo faz seu teatrinho pessoal. Que ninguém mais lhe dá atenção, que tudo acontece com ele e ninguém se interessa, logo surge uma dor oportuna... Enfim uma ladainha, uma choraminguice pelos cantos, lágrimas secas e desavergonhadas, um joguinho psicológico sujo, que provoca ânsia aos sensatos e culpa aos tolos, esquecendo-se estes das próprias dores em prol de acudir o “coitadinho”. 

O triste, ou hilário, nestas situações, é que aquela pessoa verdadeira, responsável, coerente, bem resolvida, torna-se a vilã, a gelada, a bruxa, pavio curto, o que for, simplesmente por se mostrar inteira, por ser genuína. Já o impostor, o tal santo do pau oco, desfila sua máscara e se aprimora, cada vez mais, na maestria em enganar gente boa. Uma psicologia que deixaria muito profissional na sombra. 

É no entanto no seio familiar onde estes vampiros, sugadores da energia alheia, extrapolam o seu egoísmo, protegidos dos olhares lá fora, deixam cair a máscara exibindo as garras. Ali é o seu reino e ai de quem lhes ameace a majestade. A vida de pais e cônjuges pode virar um inferno tendo que aturar estas criaturas que com o tempo e a intimidade, se tornam tiranas, quando não, violentas em casa, onde a vítima é sempre a mais passiva, a que se curva às suas vontades sem contrariar, porque infelizmente há sempre um rol de gente boa, munida de paciência pra lá de santa, disposta a sustentar, e acobertar, os tipinhos. São pessoas que almejam a paz e o sossego, mas tiveram a infelicidade de esbarrar em predadores do bem estar alheio, quando não, de parir e criar tais monstrinhos.

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