Sobre lágrimas e risos

pierro_colombinatImagine aguardar um evento feliz. Você faz todos os preparativos da praxe, claro as recordações são enormes, afinal é a formatura de seu filho, logo ele irá para uma faculdade talvez distante. É natural que surja certa melancolia. Num passado bem recente para você, ele era ainda um bebé de sorriso banguela. Sua sensibilidade está à flor da pele, talvez se queixe de como o tempo passou rápido. Seu filho dará risada, lhe mostrará bem humorado que o abraço dele só ficou mais forte e que agora é você que é frágil.

Você olha velhas fotos e lá está o mesmo sorriso maroto de menino, o mesmo olhar cheio de vida e finalmente você relaxa. As alegrias são muitas, já os gastos foram um páreo duro. Educação em boas escolas é um sufoco, mas você conseguiu, vocês conseguiram, o meninão é só orgulho e é essa vitória que te empolga na comemoração. Chega o grande dia, todo o mundo radiante, ansioso e então o pai do colega que vai fazer o discurso de abertura transforma a cerimônia em velório.

Não sei quanto a vocês, mas para mim gente que tem a lágrima de plantão no canto do olho para dar aquele show particular em público é um pé no saco, pierrot de araque. A palavra comemoração está relacionada a alegria, porque diabos sempre aparece um raio de um chorão(ona) para estragar a festa? E sinceramente, posso até estar enganada, mas gente choramingona ou gosta de um palco ou é mimada. Sabe o tipinho que sempre teve a mamãe e o papai para trazer a sopinha e o leitinho à cama, que mal sabe qual botão liga o fogão?

Conheço um parzinho curioso. Duas irmãs que não são siamesas, nem catatuas, apenas choronas, mimadas, que cabem com perfeição no perfil. Nunca mexeram uma palha, o máximo de dificuldade que uma delas viveu na vida foi quando, certa vez, pouco depois de ter casado, o marido achou que já estava na hora dela mostrar seus dotes culinários e pediu um ovo frito. Inicialmente foi uma aflição, mas logo ela brilhantemente lembrou de um dia, em criança, ter entrado rapidamente na cozinha e visto a cozinheira mexendo com ovos.

Entusiasmada, ela pegou um ovo, deu umas batidinhas, deixou a “gosma transparente” escorregar na pia cuidadosamente e triunfante jogou a parte amarela bem devagar, para não estourar, na panela. Imaginem a cara do marido quando olhou o ovo. Ela sequer quis filhos, só a possibilidade de dividir as atenções do companheiro com uma criança já a incomodava.

A choraminguice fora de hora é desagradável, constrangedora. Para completar a cena tem sempre uma claque mixuruca, com umas lágrimas crocodilas, falando com certa histeria “Ai, olha só, tou tão emocionada”. Gente, precisa disto? Me poupem! Era o que eu queria falar naquele momento. Assim fiquei eu ali, quase rangendo os dentes, pensando que aquela era para ser uma comemoração de muitas famílias.

Seja porque se sente num palco ou porque quer ver todo mundo em volta paparicando, lá estão as malditas lágrimas, na maioria das vezes, ocas. Coisa de donzela de outras eras se fazendo de frágil. Estes desagradáveis chorões sentem-se o centro do mundo e a chuvarada de lágrimas é para compor a cena, uma pressãozinha básica. O pior é que anos nessa vidinha de paparicos, os trejeitos, os bicos e os chorinhos são erroneamente associados à personalidade, quando na verdade é vício.

Desagradável mesmo é que para estas pessoas tudo se resolve na base das lágrimas e sempre encontram um bando de trouxas para atenderem os caprichos, sim, caprichos, porque tudo no mundo dos mimados é problemático, não têm meias medidas: o vestido que deseja usar tem uma mancha? - Drama. Não acha o brinquinho que tanto gosta? - Drama. O pedido no restaurante demora? - Drama. O cara na rádio fala da poluição do ar na cidade e logo começam fungadas sonoras, a mão vai dramaticamente à cabeça, segue-se uma expressão sofredora... E por aí vai. Eu sim que fico doente presenciando estas cenas, agora imagine-se a paciência de quem convive diariamente com isto, para mim é santo, não tenho dúvidas.

Acostumados de crianças a serem tratados como bibelôs, crescem com fama de delicados. As mães adoram falar com aquele ar encantado de quem ganhou privilégios “tem alma de artista”. Para o chorão as lágrimas viram honra, é a evidência de sua sensibilidade. Sabem de uma coisa? Tretas! Tudo tretas! Artimanhas de manipulador enrustido, de adulto cheio de manha.

Fulano é tão sensível!” Parece conspiração! Há sempre gente disposta a justificar o amigo(a), marido/esposa, namorado(a)... Deixem eu dizer uma coisa! Gente que chora a toa não tem nada de especial, nenhuma particularidade superior ou inferior, não é mais frágil, sensível nem mais emocional. Nunca, jamais, sente as dores mais profundamente que os outros. Gente com a lágrima de prontidão, só revela que é chegado em draminha. Delicadeza? Zero, diria mais, é insensível à emoção alheia. Chora antes de sentir a dor e até mesmo quando não a sente, repetindo o comportamento iniciado na infância, quando esperneava como um endemoneado e a mãe acorria espavorida. Com a idade os chiliques vão embora (nem sempre), permanecendo os ares dramáticos, a voz entrecortada e as cascatas lacrimejantes.

Não me levem a mal, nada contra as manteigas derretidas, minha coceira é com choros fora de tom que são como birra de criança quando quer vencer na pressão, e sendo bem sincera, não venha fazer cenas para o meu lado, fungar no meu pescoço, assoar o ranho na minha roupa... Tou fora!

Agora um aparte, depois que você convive com gente morrendo doente, chega para visitar e ela sorri, conversa distante do próprio sofrimento, você quer mais é dar umas sacudidas nos chorões de plantão, tipo dar-lhes um tratamento de choque. Arrastá-los para conhecerem motivos reais para se lavarem em lágrimas. Algo que se aprende de caras com doentes é que eles ficam felizes com visitas e o que menos desejam é (Alô chorões! Sintam vergonha!) gastar o tempo em lamúrias. Depois dessa você só pode é ficar mais impaciente e irritado com os tipinhos que choramingam a torto e a direito como se fossem os senhores das lágrimas. Dá para imaginar estas pessoas diante de dificuldades?

Ana Maria era filha única, e mimada. Os pais separaram-se e os mimos redobraram. A mãe nunca levou nenhum dos relacionamentos adiante para estar de plantão para a filha que ficava mais queixosa. Ana Maria casou, teve filhos, que foram criados por sua mãe, já que ela mesma era um vidrinho que poderia quebrar-se só de trocar uma fralda. O tempo passou e um dia a mãe ficou doente, precisando de cuidados, mas como fora ela sempre quem cuidara da filha e dos netos, não tinha ninguém para fazer o mesmo por ela. A coitada ainda se arrastava doente para fora da cama quando, às 11hs da noite, a neta já adulta falava mimosa que queria ovo mexido.

A pessoa mimada acaba, no final das contas, se tornando uma incapaz, que não desenvolve habilidades, nem sentimentos profundos. Tanto acostuma com atenções exageradas que ela mesma se torna um ser humano mal acabado, tão preocupado vive com suas necessidades que é incapaz de enxergar as dos outros.

Já presenciei casais que a mulher chega todo o dia, dizendo-se cansada e o cara prepara o jantar, quando não até o banho, traz a comida, leva o prato, traz a xícara, a aspirina... atende mil chamados. Porque os mimados são assim, não se tocam que o outro também trabalhou o dia inteiro, que pode estar cansado. Fala com aquele jeito choroso, sofredor, cheio de dores e o companheiro(a) atende preocupado sem perceber que sua paciência é explorada e que no dia em que ele mesmo precisar de cuidados, aquele(a) incapaz que está ao seu lado não vai dar conta do recado.

Por favor, chore porque se emociona com o filme, porque está triste, porque sente as dores do seu filho doente, porque morreu seu bichinho amigo. Chore solidário às dores dos outros, da mãe que perdeu o filho, da outra que o busca há anos. Chore pelos males do mundo, pela crueldade da natureza que privilegia os mais fortes. E, se você está frágil, chora à toa, busque ajuda, porque a tristeza genuína ou ensaiada em lágrimas, é um vírus que prolifera. E como a escolha é sua, não tenha dúvidas, prefira cair na folia, brilhe e contagie. Sorria, muito! Essa sim é a hora de escancarar a alma, então pule feito um arlequim travesso, ou uma colombina assanhada e apaixonada pela vida.

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