Você conhece Silvia Brandalise?

São oitocentos casos novos por ano, cerca de 30% deles 
de vítimas de câncer. Mais de 90% dos cancerosos não 
pagam um tostão pelo tratamento.
Eu ouvi por alto falar sobre esta médica em 1996. Meu interesse se aguçou com o pouco que escutei, corri então atrás de mais informações e terminei encantada com sua história. Por esses dias voltei a pensar na dicotomia livre arbítrio e predestinação e achei que era uma boa oportunidade para falar da doutora.
Silvia Regina Brandalise,
lutadora tenaz contra o câncer infantil  - a maior autoridade na América latina - uma das profissionais mais respeitadas no exterior na área de medicina, poderia dar muitas aulas sobre persistência e suplantação de obstáculos. Além de ter sua história associada ao Centro Infantil Boldrini, seu nome significa talento, competência, empreendedorismo e humanidade. Citada em inúmeras publicações pelas mais diversas razões e destaque em outras tantas matérias, a Dra. Brandalise foi homenageada vezes sem conta por diversas entidades.
Sílvia Brandalise parece ter nascido (1944) já com muita sabedoria e tudo aponta que o ambiente em que foi criada é peça importante no uso e exploração desse saber nato. Estudante notável, desde muito pequena Sílvia soube que seria médica, vontade reforçada pela brilhante figura de seu ídolo, o teólogo, filósofo e também médico, Albert Schweitzer ganhador do prêmio Nobel da paz em 1952 por seu trabalho humanitário junto à população carente do Gabão, onde chegava a atender cerca de 40 doentes por dia, sob condições adversas.
Sílvia, então uma adolescente, decidiu escrever um dia ao admirável homem. “Mandei-lhe uma carta por intermédio do consulado. Não lembro das minhas palavras, mas, pelo jeito da resposta, deve ter sido uma declaração de amor”, conta ela rindo ao repórter da Revista Superinteressante. Foi assim esta admiração de menina pela grande personalidade de Schweitzer que acordou seu senso de que humanidade está circunscrita na medicina: “A causa da minha carreira deveria ser social, jamais pessoal”, diz ela.
Com uma energia de tirar o fôlego a muito jovem, desde que entrou na Escola Paulista de Medicina, em 1962 até os dias de hoje, seu trabalho e luta na causa que abraçou parecem permanentes, tanto na aprimoração de seu conhecimento, como na determinação de evidenciar o lado humano no exercício da medicina.
O curioso é que Sílvia parece ter marcado encontro com as pessoas certas mesmo antes de nascer, pessoas que lhe proporcionaram as condições para empreender todas as lutas, transpor todos os obstáculos, atingir todos os objetivos. Começando logo com os cuidados e o exemplo dos pais. De sua mãe parece ter herdado a vontade férrea. “Se me diziam que o melhor ginásio de São Paulo era o Roosevelt do Parque Dom Pedro, era ali que minhas três filhas iriam estudar”, disse D. Maria de Lourdes. A determinação característica reflete-se no lema da Dra. Sílvia “Acho fundamental trabalhar com os mais modernos equipamentos. Primeiro eu os compro, depois vejo como irei pagar.” Já o infinito ânimo para o trabalho e a seriedade vem de seu pai, Seu Antônio, imigrante português, dono de bar, que além de nunca ter elogiado as notas altas da filha, ainda achava que a menina Sílvia não fazia mais que a obrigação. Pensamentos e valores comuns à educação da época.
Com o marido, o cirurgião Nelson Ary Brandalise foi tudo muito simples. Com a precisão e a objetividade que marcam sua personalidade, Sílvia tomou a iniciativa do namoro, um jeito eficaz para a timidez do Dr. Nelson. “Quando Sílvia mete uma idéia na cabeça sai da frente” conta ele “Então, ajudo na medida que não atrapalho.” E assim foi sempre. Acostumado a chegar em casa após um dia cheio e a não encontrar a esposa e claro, nada de jantar pronto, ia para a cozinha e dava “um jeito”.
Foi assim, recém-casada com o cirurgião que recebeu convite para ser um dos fundadores da Unicamp, que Sílvia foi parar em Campinas. Naquele ano de 1969, a Unicamp era um amontoado de galpões no meio do mato. Seus médicos atendiam na Santa Casa de Misericórdia da cidade. Sílvia tinha de fazer testes de sangue, sob toscas condições. Mas a dedicação e eficiência renderam frutos e no ano seguinte, a Unicamp cedeu-lhe um velho casarão para montar um laboratório, um local para atender crianças com problemas de coagulação sanguínia. À tarde chefiava a enfermaria e também lecionava.
O mais curioso ainda na trajetória desta mulher admirável é que o câncer estava longe de seus objetivos profissionais “...comecei a sonhar com um hospital, mas jamais para câncer. A palavra me dava arrepios.” Foi esta a principal razão de sua recusa em examinar o garotinho com leucemia, André Zavarchenko. Diante da resposta a residente que lhe fez o pedido, Maria Apareceida Brenelli, começou a chorar desesperada e Sílvia, que diz não resistir às lágrimas alheias, acabou indo ver o menino.
Uma série de procedimentos adotados pelo oncologista serviam muito bem para um adulto, mas estavam errados, do ponto de vista pediátrico”, lembra Sílvia. “Por isso, quando fiz pequenas correções, a saúde do André melhorou.” A família decidiu levar o menino a um especialista no exterior, indicado pela Dra. Sílvia, o brasileiro, radicado nos Estados Unidos, João Rhomes Amin Aor. Médico do Hospital de Memphis, e autoridade mundial em leucemia. A mãe do garoto falou que só viajaria se a pediatra os acompanhasse. Infelizmente o pequeno acabou morrendo.
Diz a sabedoria romana que os fados guiam àquele que assim o deseje; aquele que não deseja, eles arrastam. Mais um ano se passou e de repente, uma amiga da própria doutora lhe aparece com o diagnóstico fatalista do filho, curiosamente, outro André. Apesar de encaminhá-lo para um colega em São Paulo, acompanhava o caso de longe. Desconfiando que as diretrizes tomadas eram obsoletas ligou para Rhomes Amin Aor nos EUA. “Ou você assume o caso ou fique totalmente de fora” gritou o médico ao telefone. Decidiu ficar de fora. Mas o menino apareceu na sua frente chorando e lá foi a doutora condoída com as lágrimas do pequeno André, hoje um profissional de odontologia. Para tratar do garoto foi necessário o desligamento da função de chefe da enfermaria. Na mesma semana instalou-se em uma casa alugada com dinheiro de seu próprio bolso. “Passei a estudar os tratamentos de câncer a todo o vapor”, ela disse. Assim nasceu o Centro Domingos Boldrini (nome de um famoso pediatra da cidade de Campinas).

Superinteressante - Sílvia Brandalise, uma guerreira contra o câncer
Prêmio Cláudia 2009 

Comentários

  1. Sabe aquele dito "Quem sabe faz acontecer"? Não acho que as pessoas foram colocadas na vida dela, ela procurou! Saber o que se quer, alimentar o sonho e correr atrás, não é discurso, é verdade!! Meio caminho para a realização! Boa semana! Beijus,

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