Psicopata social: sementes do mal (1)

psico(1ª história)
Quase chegando aos sessenta, Nelson era ainda um cara boa pinta. Alto, elegante, bigode grisalho, caminhava com aquele à vontade de quem sabe que provoca admiração. Ele encarou seu interlocutor, mais jovem e mais baixo, não com a curiosidade normal de um primeiro encontro, mas um olhar de avaliação, treinado, sentindo o terreno, depois circulou os olhos pelo pequeno escritório. Sentou-se como se fosse dono do espaço, tomando a melhor cadeira para si, mostrando que estava acostumado a ser o centro das atenções.

Os dois homens de negócios conversaram um bom tempo. Trocaram informações e experiências. Para surpresa do outro, Nelson foi falando de sua vida, contou como chegara à posição atual, falou de pessoas que ajudara, de seus negócios, mencionou quantias, quando começou a falar da família, a expressão enternecida anulou qualquer sombra de desconfiança que Marcos, o anfitrião, pudesse ter.

A conversa ganhou o rumo dos negócios que os levara ao primeiro contato telefônico e os trouxera àquela reunião cara a cara. O mais jovem respondeu com segurança todas as dúvidas do outro. Arremataram a discussão com a combinação dos valores e formas de pagamento. Nelson quedou-se pensativo. Era um momento de decisão para um e expectativa para o outro. Finalmente encarou o olhar ansioso de Marcos e disse abrindo um largo sorriso, enquanto esfregava as mãos:
- Então estamos esperando o quê? Vamos assinar logo esse contrato. - Marcos pareceu um pouco confuso. Contrato? Mas era o primeiro encontro, pensou. Só podia ser brincadeira e soltou uma risada. Nelson disse que não estava brincando e mostrou sua disposição para assinar o contrato naquela hora. Estranhando Marcos respondeu que não estava acostumado a fechar negócios logo no primeiro encontro, mas que seguiria com os trâmites no dia seguinte. Na despedida o homem grisalho falou apontando o dedo:
- Fico aguardando o contrato. Faremos grandes negócios.

Seis meses se passaram e Marcos recordava amargo o encontro desconcertante com todos os pormenores. Aquele mesmo homem que expusera sentimentos e valores nobres, que se prontificara a assinar um contrato no primeiro encontro, disse ao telefone, dias depois quando cobrado, que não assinava contratos, que era um homem de palavra e esperava estar falando com outro homem honrado.

Marcos ainda sentia o incômodo do mal estar momentâneo. Pensou em falar que não poderia aceitar o serviço. Em vinte anos nunca trabalhara sem contrato, mas fora pego na cascata da crise econômica. Pensou no quanto vinha cortando as despesas pessoais para suportar a crise, há quanto tempo não saia com a família, não viajavam... como se escutasse seus pensamentos, do outro lado da linha, o mesmo indivíduo que acabara de falar friamente que não assinava contratos, convidou-o, no tom jovial que lhe era peculiar, a levar sua família, quando fosse instalar o programa em campo. “Para aproximar os laços”.

Veio o primeiro pagamento e o segundo, mas quando enviou a cobrança do terceiro, quase enfartou diante da indignação do outro: “Como você me vem com mais cobranças? Achei que estava tratando com um homem de palavra.” E agora ali estava ele em situação pior do que quando embarcara naquele que acreditou ser o negócio que o seguraria nos tempos difícieis.

(2ª história)
Marina de quinze anos vivia com o Ipod, ganhara-o por aqueles dias. Sonhara com ele desde que fora lançado, esperou quase um ano pelo grande presente que valia por três datas acumuladas: o dia das crianças, o aniversário e o Natal.

Um dia no caixa do supermercado, pousou o aparelho no balcão, enquanto ajudava o pai a guardar as compras. Atrás deles, um jovem de cerca de 18 anos aguardava na fila, junto com o pai e acompanhava com o olhar os gestos da garota. Como Marina, aquele jovem e uma multidão de outros, tinham aquele aparelho como um sonho de consumo.

Já estava sentada no carro quando se deu conta que esquecera seu precioso mp4. Voou em direção ao caixa, mas em menos de cinco minutos o aparelho sumira. Quando interrogada pela adolescente se vira o precioso aparelho, a mocinha do caixa, mostrou-se confusa, disse que não conhecia e nada vira. Marina correu novamente para o estacionamento em busca de pai e filho, perguntando-se como eles conseguiram sair tão rápido do supermercado. Seu pai veio socorrê-la. Circularam pelos corredores em busca dos dois homens, mas sem sucesso. Marina chorou amargamente o roubo do presente que tanto aguardara. Ela não esqueceria o rosto dos dois homens, bem vestidos, em um bairro de pessoas bem situadas na vida, pessoas comuns como ela e seu pai, que nunca ninguém pensaria capazes de ato tão vil.

(3ª história)
Gaby foi a uma reunião de mães na escola, aproveitou os minutos que tinha para procurar, nos achados e perdidos do estabelecimento, a jaqueta do filho. Extraordinariamente a blusa lá estava. Ficou feliz. Em todos aqueles anos, era a primeira vez que achava uma blusa perdida. Nem saberia listar a quantidade de blusas, brinquedos e sabe-se lá mais o que seus filhos perderam. Ali estava um colégio onde cada criança custava aos pais a vultosa quantia de R$3.000 e ainda assim não se estava livre dos larápios de ocasião. Ela já ouvira falar de gente que amargara até com filmadora profissional. Olhando os luxuosos carros do estacionamento, ninguém diria que ali também acontecia aquele tipo de coisa. Gaby não gostava de pensar nesse assunto porque as conclusões eram assustadoras.

Ela dirigiu-se à reunião, pousou a bolsa e a jaqueta numa cadeira e foi até a mesa preparada com um lanche ocasional. Ao final da reunião, Gaby pegou a bolsa e qual não foi o espanto, a jaqueta havia sumido. Olhou em volta, embaixo da cadeira, atrás e nada. Olhou cada espaço da sala e terminou frustrada. Voltou várias vezes aos achados e perdidos, aguardando que a blusa levada por engano fosse devolvida, coisa que nunca aconteceu. (Psicopata social: sementes do mal 2)

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