O ódio que nos consome

Não tenha medo da aventura.
O caminho é totalmente conhecido.
Os heróis de todos os tempos nos precederam.
E lá, onde imaginava encontrar algo totalmente desconhecido, encontrará a si mesmo.
Onde esperava ir ao longe, irá ao centro de sua própria existência.
Onde pensava estar só, estará com toda a raça humana.
E onde imaginava encontrar algum tipo de monstruosidade, encontrará Deus.
Joseph Campbell, O poder do mito

O pequeno Ives Ota, de 8 anos de idade, foi seqüestrado pelo segurança da loja de seu pai, e mais dois cúmplices.

Nem mesmo a imagem de uma criança indefesa e assustada impediu que um dos bandidos desse dois tiros na cabeça do menino. No dia do julgamento Massataka Ota encarou os três assassinos de seu filho, fez questão de olhar nos olhos de cada um e dizer que os perdoava.

No entanto o empresário conta que não foi fácil. Exatamente na noite que antecedeu o julgamento, ele permaneceu no sofá de sua sala com uma arma ao lado imaginando-se atirar nos assassinos. Quando raiou o dia, pegou a arma e de repente estranhou “O que estou fazendo com isto? Nem sei usar.” O pensamento seguinte “Não sou assassino”, logo lembrou as palavras da esposa “É preciso perdoar”.

Massataka Ota é um sobrevivente. Como ele mesmo conta, muitas pessoas se mostraram indignadas com o seu gesto. O ato de perdoar é um processo interno individual. O caminho é sempre difícil, o tempo e a situação além de imensuráveis não são fatores determinantes, tão pouco se pode medir a gravidade. Para tal vale o ditado: “Cada um sabe das suas dores”.

Pode-se ficar uma vida inteira remoendo ressentimentos. O ódio torna-se alimento da dor e vice-versa. Há a sensação quase constante de que se carrega uma bomba-relógio que explodirá a qualquer momento. E mesmo rodeada de gente, a pessoa vive na mais profunda solidão, porque ódio, tristeza e dor podem até ser contagiantes, mas não dá para dividir porque a forma e o peso são variáveis proporcionais à capacidade de cada um no que concerne ao teor de cada emoção.

Deixar para trás sentimentos destrutivos como ódio e vingança pode ser comparável à sobrevivência de uma catástrofe. A pessoa vive numa constante fogueira de emoções abrasivas, solitária e triste até o dia em que a dor se torna tão insuportável que ela desfalece de vez ou escolhe viver. É quando se liberta dos grilhões do ódio e dá o primeiro passo para a luz. Ressurge a lucidez, ao que se segue uma releitura e compreensão do seu eu e da situação conflitante. Entender o agente motivador do ódio é inerente ao processo. Quando se percebe no outro um ser limitado, incapaz, primitivo, que não tem empatia e identificação com o seu semelhante, neutralizam-se os sentimentos negativos que dão lugar à compaixão. É este ser que descobrimos deficiente e frágil que nos guia ao perdão.

Todo este processo pode acontecer de forma totalmente consciente, ou a um nível inconsciente, em que a pessoa processa todas as informações intuitivamente. Somos todos propensos a desequilíbrios de conduta em maior ou menor grau. Encher-se de dívidas por causa de jogo pode levar ao suicídio ou ao assassinato, mas pode levar ao aprendizado. São vários os caminhos, o principal é entender que qualquer pessoa pode entrar num processo de embotamento emocional como resposta a estímulos externos.

Fato é que chegamos a um estágio de evolução em que somos donos e senhores de nosso destino, portadores de uma inteligência dual, racional e emocional, que nos fornece mecanismos de sobrevivência nos dois níveis. Manter o equilíbrio das duas forças está ao alcance de todos. Nossos limites são desconhecidos, inimagináveis e assustadores. Basta olhar em volta para ver que construímos e destruímos com a mesma capacidade e paixão.

Muitas vezes, antes de lutar contra as adversidades ou viver em conflito com o outro, precisamos resolver questões dentro de nós mesmos. Olharmos para nosso interior com o mesmo olhar crítico e distante com que olhamos o outro. Seria como nos desviarmos da rota e nos aventurarmos sozinhos por novos caminhos em um país estranho de idioma desconhecido. Seguimos devagar, olhando tudo, indo de descoberta em descoberta; depois de muito caminhar somos assaltados por uma ondinha de pavor, então de repente percebemos algo familiar no cenário e podemos finalmente relaxar, exultando satisfeitos com aquela pequena vitória, excitados com a aventura.

Assim nos sentimos quando vamos ao encontro de nós mesmos. No final somos tomados por um furor exultante que aos poucos é substituído pelo alívio. Temos forças conflitantes e poderosas dentro de nós, sim, mecanismos para trilharmos nosso próprio caminho e construirmos o nosso destino. A maior lição, no entanto, é o entendimento e a aceitação que tal conhecimento não nos dá garantias de vitória. Saber administrar todo esse material fabuloso em um processo complexo de relações dependentes e interdependentes, como é a nossa vida em sociedade, precária e ainda assim racional, extraordinariamente inteligente e emocionalmente única, até onde se sabe, é ainda páreo para poucos.

Instituto Ives Ota
Perdão, uma questão de inteligência
O poder do perdão

Comentários

Postar um comentário

Este espaço é seu.
Deixe sua opinião ou se preferir conte uma história. Peço apenas que seja educado.
Obrigada, volte sempre.

Postagens mais visitadas deste blog

A "empatia" seletiva

Pensamentos dominantes